quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Santarém: 5.º Fórum Nacional dos Bombeiros Honorários reuniu 1300 participantes.

 Há muito que uma iniciativa da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) não reunia tantos bombeiros e dirigentes. O 5.º Fórum Nacional dos Bombeiros Honorários, realizado dia 30 de Outubro, no Centro Nacional de Exposições (CNEMA), em Santarém, ficou marcado por uma sentida homenagem ao segundo comandante Henrique Amaro, que dois dias antes tinha completado 100 anos de vida. Em contraponto aos sentimentos de alegria, houve também espaço para queixas e apelos aos dirigentes e comandos, porque “velhos são os trapos”. 

Texto: Patrícia Cerdeira
Fotos: Marques Valentim
Manhã cedo, a zona de estacionamento que envolve o CNEMA, às portas da cidade de Santarém, encheu-se de dezenas e dezenas de viaturas dos bombeiros que, vindos de Norte a Sul do País, fizeram questão de dizer “sim” à iniciativa da Liga dos Bombeiros Portugueses, que acontece de dois em dois anos.
As conversas iam sendo postas em dia, e os abraços e lágrimas dos mais velhos, que aproveitam estas iniciativas para muitos reencontros, foram mais uma vez a principal imagem de um dia de festa. Tiraram-se fotografias para acrescentar aos álbuns de memórias, mas também se ouviram inúmeras palavras de desânimo pela alegada falta de vontade dos responsáveis das associações que serviram para utilizar os seus préstimos ainda válidos. Não estão no quadro activo – muitos devido à idade, outros por razões profissionais –, mas não aceitam ser tratados como inúteis, pois acreditam ter ainda muito saber a transmitir e vontade de ajudar e participar.
A parte da manhã foi preenchida com duas apresentações. A primeira, a cargo de Gil Martins, o comandante operacional nacional, abordou de forma descontraída a história e evolução do combate aos incêndios florestais, recorrendo a algumas imagens que, por várias vezes, provocaram gargalhas na sala.
Depois, Fernando Vilaça, actual provedor da LBP, dirigiu-se ao auditório para falar dos direitos e deveres dos bombeiros do Quadro de Honra, tendo como base a actual legislação. À semelhança do que já aconteceu em encontros anteriores, o tema apresentado pelo comandante Fernando Vilaça acabou por servir de mote a muitas das intervenções críticas que se seguiram no espaço reservado para o debate. O esquecimento a que os elementos do Quadro de Honra são votados por parte de direcções e comandos foram as principais queixas ali retratadas. Elementos de vários pontos do País voltaram a denunciar “falta de apoio”. Queixam-se de não serem devidamente enquadrados no dia-a-dia dos corpos de bombeiros, de não terem ninguém que solicite a sua disponibilidade (dando como exemplo uma simples representação nas festas de aniversário), de serem tratados como velhos que nada mais têm para dar.
Nesta matéria, as declarações feitas, algumas vindas de homens com lágrimas no rosto, foram duras e sensibilizaram todo o auditório, pois aqui e ali houve sempre alguém que se reviu neste tipo de situação.
Até mesmo em relação à realização do 5.º Fórum Nacional dos Bombeiros Honorários foi dito com todas as letras que algumas direcções e comandos nem tão pouco se preocupam em veicular a informação.
Noutras vertentes, e tendo como base a actual legislação, nomeadamente o acesso ao Fundo de Protecção Social do Bombeiro a cargo da LBP, ficou claro o desconhecimento generalizado entre os bombeiros relativamente aos apoios disponíveis. Sinal claro desta realidade foi o facto de, no intervalo, Duarte Caldeira, presidente da LBP, ter sido solicitado por vários bombeiros do Quadro de Honra para ouvir os seus casos pessoais, tendo eles solicitado a ajuda da Confederação, alegando total desconhecimento quanto às regalias disponibilizadas pelo fundo.
Duarte Caldeira: situações inconcebíveis, tristes e confrangedoras
Antes mesmo do almoço-convívio que encheu por completo um dos pavilhões do CNEMA e promoveu o convívio entre todos, bombeiros e famílias, Duarte Caldeira mostrou-se bastante incomodado com as denúncias feitas durante a sessão da manhã. Em declarações ao “Bombeiros de Portugal”, o presidente da LBP foi contundente nas críticas dirigidas a grande número de direcções e quadros de comando. Sem citar casos em concreto, Duarte Caldeira referiu que existem situações graves identificadas e que a hora é de tomar posição: “Respeitando sempre a autonomia jurídica e administrativa das associações e corpos de bombeiros, pretendemos dirigir-nos aos casos já identificados, questionando os seus responsáveis para perceber se acham que estão a agir bem. Os vários casos que ouvimos aqui revelam uma grande insensibilidade. É inaceitável, triste e confrangedor que os responsáveis de algumas associações de bombeiros continuem a desvalorizar a reserva moral das suas próprias casas. Tão ou mais grave é a falta de apoio e disponibilidade para informar os seus homens sobre os direitos que têm, tanto em matéria de legislação como do Fundo de Protecção Social do Bombeiro. Da nossa parte, vamos prosseguir o esforço de contacto directo com os bombeiros, contado com a ajuda dos elementos distritais para lhes dar conta dos benefícios disponíveis”. O dirigente alertou ainda: “Quem não respeita o passado, não merece o presente. Os bombeiros têm uma história de participação cívica que deve ser conservada, seja qual for a sua idade. Velhos são os trapos”.
LBP: A aposta nos bombeiros é um investimento. Não um gasto
Convidado para a sessão de encerramento, o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, dirigiu-se a uma sala completamente cheia para dizer que a revisão dos estatutos dos bombeiros “tem de passar a reconhecer a penosidade da missão e o seu esforço e dedicação”, sublinhando que o serviço prestado pelos bombeiros portuguesas “é uma riqueza inestimável, embora tenha sido tantas vezes esquecido de forma injusta”.
Rui Pereira lembrou que está a ser negociado um novo modelo de financiamento para os bombeiros voluntários e que o Governo “continua empenhado” em defender esta classe “tão importante quanto as restantes forças de segurança e protecção civil”. O ministro respondeu desta forma ao discurso feito minutos antes pelo presidente da LBP, Duarte Caldeira, que lançou um apelo ao governante para rever o actual modelo de financiamento. Duarte Caldeira disse também que “é preciso quantificar a importância social dos bombeiros voluntários e perceber qual o retorno das verbas investidas pelo Estado nesta área”.
“Temos de demonstrar que o País investe e não gasta com os seus bombeiros”, frisou o presidente da LBP. “Não há socorro em Portugal sem bombeiros, e sem esta sua componente de associativismo e de voluntariado”, acrescentou ainda.
Henrique Amaro é o bombeiro mais velho do País: Homenageado deixa conselhos aos mais novos
Henrique Amaro é segundo comandante do Quadro de Honra da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém, da qual é o sócio número 12 e onde esteve de 1941 a 1970, data em que se retirou.
Iniciou a sua vida nos bombeiros com 23 anos. Durante quatro anos, foi bombeiros nos Voluntários de Campo de Ourique onde chegou a bombeiro de 3.ª classe. Por motivos pessoais, já em 1941, ingressou nos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém, a sua associação de coração. Ali exerceu os cargos de segundo comandante (entre 1965 e 1968) e comandante interino (de 1968 a 1970).
Com ar terno e atento, Henrique Amaro chegou a meio da manhã, acompanhado pela filha, e entrou com ar sereno na sala que foi palco da homenagem proposta da Associação Reviver Mais. O ar respeitoso da assistência curiosa em conhecer o bombeiro centenário não transtornou Henrique Amaro, que humildemente se sentiu apenas mais um. Subiu ao palco e sentou-se na mesa de honra, onde ouviu palavras merecidas de agradecimento e respeito, palavras únicas, daquelas que só uma vida dedicada aos bombeiros e vividas com empenho permite que sejam ditas.
Aproveitámos o intervalo para falar com Henrique Amaro. Discurso fluído, postura paternal e um discernimento digno de inveja para muitos. Ao “BP”, e sem papas na língua, o bombeiro que nasceu no ano da República e que contava à data 100 anos e dois dias, referiu que hoje em dia “há muita falta de respeito. Vejo coisas de que não gosto. Hoje é tudo tão fácil comparando com a minha altura. Quando era jovem, respeitava os colegas e o comandante. Hoje, sinto que há muita indisciplina. Ninguém se dá ao respeito…”, assume com ar meio sério, meio brincalhão.
Socorrendo-se das suas memórias, Henrique Amaro lembra: “Nessa altura era tudo mais difícil; não tínhamos autotanques e combatiam-se os incêndios florestais com ramos de árvores”. Nessa época, a Agualva “ainda era uma zona mais rural do que urbana”, e para apagar os fogos “era tudo mais manual, sem os equipamentos que hoje existem”.
O bombeiro de 100 anos afirmou recordar-se ainda da “alegria que se sentia quando se chegava ao fim do fogo com êxito. Hoje em dia os jovens entram muito mais cedo para os bombeiros, conhecem melhor os equipamentos, têm outras ferramentas. Não há comparação possível”, referiu.
Já durante o almoço-convívio, Henrique Amaro foi brindado com um bolo decorado com carros de bombeiros em miniatura e com uma ovação de mais de mil pessoas que entoaram os “Parabéns a Você” com a ajuda musical da banda alentejana, vinda do Alvito, que animou a festa.
Ainda no decorrer da sessão de homenagem, o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, frisou que “a presença do homenageado é a prova de que ninguém é um ex-bombeiro”. Para o responsável político, “ser bombeiro não é uma ocupação transitória; é um estatuto que nunca se perde”.

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